Aníbal Mattos. Paisagem com carro de bois (A cruz dos caminhos). 1916.

Aníbal Mattos. Paisagem com carro de bois. (Cruz dos Caminhos), 1916. Óleo sobre tela, 153 x 212 cm.

Aníbal Mattos, em 1916, pinta Paisagem com carro de bois ou Cruz dos Caminhos que retratava um tema que o tornou conhecido para os mineiros: as paisagens de Minas Gerais. Essas paisagens, assim como outras características estereotipadas fizeram parte do acervo de imagens que caracterizarão o universo da “mineiridade”. Os pintores clássicos[1] não se interessaram pela produção de imagens da cidade moderna que estava sendo construída. Ficaram detidos justamente ao que estava por desaparecer na capital mineira: o trabalhador do campo, as casas de fazenda antiga, o isolamento proporcionado pelas montanhas e a relação com a cidade de Ouro Preto. Esses pintores olhavam para a nova capital mineira, mas conseguiam apenas ver o que poderia restar do Curral Del Rei. Gesto que se aproximava de Charles Baudelaire (1998) quando andava pela cidade de Paris e, como foi demonstrado no Pintor da Vida Moderna, o interesse pela efemeridade dos eventos que estão prestes a diluir-se com a velocidade da modernidade.

Tais imagens foram reconhecidas pelos colunistas mineiros como as mais apropriadas para retratar a paisagem mineira, mas que corresponderam muito mais a um conjunto de arquétipos ligados ao imaginário rural existente no Brasil do que a uma característica específica das dessas paisagens. Todavia, é importante perceber como a crítica e os pintores da época buscavam construir uma relação identitária e de pertencimento ao enxergarem nessas imagens à “essência” mineira.

Um carro de bois, conduzido por um trabalhador descalço, em uma estrada de terra cercada por montanhas. Minas, como diria Guimarães Rosa, é em primeiro lugar uma montanha. As montanhas de Minas Gerais, responsáveis por diferenciar a “personalidade” dos mineiros, recebiam destaque em inúmeras cenas pintadas no período.

O imaginário sintetizado nesse período foi produzido ao longo de séculos, começando por viajantes como Saint-Hilaire. O mineiro estaria entre o trabalhador rural, caracterizado pelo bom senso, pela estabilidade, pelo conservadorismo, e o minerador, aventureiro e amante da liberdade. Como é possível notar, essas tipologias que seriam características dos mineiros foram também mencionadas por Sergio Buarque de Holanda (1978) em Raízes do Brasil para caracterizar a cultura brasileira. A afirmação ganha sentido na medida em que conseguiu demonstrar não o caráter arbitrário das imagens construídas, mas que o mesmo conjunto de imagens podem ser utilizado para caracterizar processos que tendem a produzir caminhos identitários diferentes.

O isolamento provocado pelas montanhas teria produzido uma “personalidade” discreta, desconfiada e a imagem responde a esse imaginário sob o ícone da cruz no final da estrada, que passa a ser incorporada ao espaço monumental.

[1] Na cidade de Belo Horizonte os pintores associados aos ensinamentos da Escola Nacional de Belas Artes eram considerados clássicos. Não era usual utilizar termos como “acadêmicos” e “modernos” para como ocorreu na Europa e posteriormente na Semana de 1922 em São Paulo.

Para saber mais: VIVAS,Rodrigo. Por uma História da Arte em Belo Horizonte: Artistas, exposições e salões de arte. Belo Horizonte: C/ Arte, 2012. 248 p.

Aníbal Mattos – Jardineiro

figura1

 

Trecho do livro: Por uma história da arte em Belo Horizonte:

 

FIG. 1: Aníbal Mattos. Jardineiro (Descanso do Colono), 1915. Óleo sobre tela. Coleção Particular.

 

A obra O Jardineiro [FIG. 1] representa um trabalhador segurando uma enxada com a mão direita e com o seu braço esquerdo apoia-se na perna, sentado em um banco. Entre as árvores existe um caminho que leva a uma pequena casa ao fundo que demarca a distância entre o primeiro plano, o trabalhador, e o segundo plano, a casa. O jardineiro assume uma postura demasiadamente rígida para representar um momento de descanso. A pose rígida não coincide, entretanto, com o rosto. O jardineiro está com os olhos entreabertos fumando um cigarro. Entre os pés do personagem é possível notar o que parece ser um maço de cigarros com uma caixa de fósforos. Apesar de sentado não abandona seu instrumento de trabalho: a enxada firme com a mão direita. O descanso como uma continuidade do trabalho parece coincidir com outras representações como de Almeida Júnior na obra O caipira picando fumo [FIG. 2].

O “caipira” de Almeida Júnior está enquadrado pelo sol. Esta atividade a qual se dedica poderia ser realizada à sombra, mas o trabalhador parece não se incomodar com a alta temperatura. O trabalhador de Almeida Júnior prefere o sol para a realização de atividade cotidiana como um ritual, basta observar o número de palhas que se acumulam ao chão. Enquanto em Almeida Júnior o movimento é de concentração em Mattos o trabalhador parece imóvel, estático assim como a natureza ao seu redor.

O sol é o grande personagem deste “Caipira Picando Fumo”. (…) Prensada entre a sombra do telhado ao alto e a das folhagens no canto inferior direito, a região de luz funciona como uma estufa. E então fica difícil não associar a desolação da cena à intensidade do clima. (NAVES, 1996. p.137).

Na interpretação de Rodrigo Naves o “sol no meio do caminho” simbolizaria as dificuldades para os teóricos do século XIX, contaminados pelas explicações raciais, aceitarem uma civilização constituída nos trópicos.