Painel externo. Igreja de São Francisco de Assis. 1944.

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Figura 1. Cândido Portinari. São Francisco. 1944. Painel de azulejos. 750 x 2120 cm. Igreja São Francisco de Assis, Belo Horizonte. Foto: Rodrigo Vivas. 

“Como um artista moderno como Portinari representou artisticamente a história de São Francisco de Assis? Como se sabe,existe uma tradição iconográfica desenvolvida no Brasil sobre São Francisco de Assis que não corresponde as representações realizadas na Europa. Teria Portinari se baseado na tradição europeia ou brasileira? Portinari respeitaria a tradição ou a resignificaria como fez com a Primeira Missa no Brasil?2 São essas questões que serão desenvolvidas no artigo a seguir.”
Dentre os aspecto referentes à iconografia, há “sua função comunicacional,ou seja,sua eficácia em tornar concreto,elementos da cultura oral, representando a possibilidade de vivenciar a narrativa repassada por anos,através da fusão entre imagem e história. Desta forma, o exercício de identificação aqui proposto, se coloca no intuito de revelar e resgatar as histórias perdidas no painel realizado por Portinari,e a permanência de sua capacidade de narrar,”somente” por meio de imagens.”

Painel externo: a história de São Francisco de Assis
O painel externo é composto por quatro curvas em um total de 23,03 metros de largura. A mais alta corresponde à nave e mede 7,5 metros. O painel foi pintado a partir da história de São Francisco de Assis. O desafio do presente artigo, como já mencionado, será analisar como Portinari enfrenta o tema dialogando com a iconografia, de modo a considerar então,as representações referentes às diversas “passagens” e aos acontecimentos da vida de São Francisco de Assis.4 O primeiro aspecto que é possível responder refere-se a tradição em que Portinari se baseou. Célio Macedo realizou uma fundamental pesquisa iconográfica sobre a representação de São Francisco no Brasil e a análise do estudo permite concluir que Portinari não se apoiou diretamente nesta tradição.

A análise da primeira cena de Portinari,da esquerda para a direita,estabelece claras relações com a passagem da vida de São Francisco denominada Homenagem ao homem simples de Giotto, na qual um homem de aparente simplicidade estende um manto para a passagem do santo. O exame dos estudos de Portinari [Fig. 02]confirmam a associação com Giotto, bem como com Benozzo Gozzoli.

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Figura 2. Cândido Portinari. São Francisco.1944. Estudo 1 – desenho a grafite papel vegetal. 17 x 42 cm. Fonte Projeto Portinari.

A segunda cena de Portinari, que está no terceiro arco na parte superior, é de difícil identificação. Para Teixeira, “ao lado, um pouco acima, está uma figura com braços levantados e expressão de espanto e, à esquerda, outra de costas, braços abertos e levantados, como que se dirigindo à anterior” (TEIXEIRA, 2008, p. 44). Para o autor, esta cena corresponderia à São Francisco ainda jovem, “em trajes civis, dirigindo-se a um leproso para beijá-lo”.Posicionada mais acima,a figura enquadrada na janela, com os braços levantados e “aparência assustada, poderia representar a expulsão dos demônios por Frei Silvestre, na cidade de Arezo” (TEIXEIRA, 2008, p.44). Entretanto,em análise comparativa às duas cenas,não observa-se a existência de elementos capazes de garantir tal associação. Uma hipótese possível para a figura,que se assemelha a uma criança,é que esta poderia se referir ao milagre da criança ressuscitada por São Francisco e, posteriormente, representada por Taddeo Gaddi.

A análise do primeiro estudo de Portinari para a construção da fachada mostra que, inicialmente, a figura de braços abertos representa São Francisco de Assis em associação com o lobo e o seu processo de domesticação. Na transposição para a fachada, a figura com braços abertos se mantém, mas outras são acrescentadas à cena. A modificação da representação parece ter sido necessária após as indicações de JK. Niemeyer é o encarregado de fazer a mediação e consulta Portinari sobre a possibilidade de fazer uma pequena alteração nos azulejos.

A mudança do croqui inicial parece ter descaracterizado as representações da iconografia na qual Portinari estava investindo. O lobo que preenchia grande parte da cena passa a estar situado apenas em uma delas,abaixado e “domesticado”. A cena do lobo em Portinari foi anteriormente representada por Sasseta em 1437-44.

No que se refere ao reconhecimento do lobo de Gubbio, não parece restar dúvidas; nessa passagem São Francisco toma conhecimento de um lobo que aterrorizava, na cidade de Gubbio, homens e animais. São Francisco saiu então à procura do animal e conseguiu que ‘o ‘irmão lobo’ deixasse de ser mau” (LE GOFF, 2005,p. 8).

Portinari representa no último arco a “Pregação aos pássaros”, e pela análise dos estudos é possível uma aproximação com a obra de Giotto. A alteração de Portinari está na substituição dos tradicionais pássaros por outro animal.

Para saber mais: VIVAS, Rodrigo; GUEDES, Gisele. A Igreja São Francisco de Assis. Belo Horizonte: Imagem Brasileira, 2011, (2016). p. 106-120

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